Giancarlo de Schiavi Trotta e Fábio Breseghello Fernandes
Resumo: o presente artigo visa abordar a questão da regularização construtiva das Estações de Rádio Base no Município de São Paulo, principalmente no que tange à aprovação tácita do Alvará de Execução e na excessiva burocracia para a expedir o Certificado de Conclusão de Obras e suas onerosas implicações práticas.
Um dos grandes desafios que o setor de telefonia móvel tem enfrentado nas últimas décadas, e que às duras penas busca ultrapassar, são os infindáveis obstáculos impostos pelos municípios para a regularização das estruturas (Estação de Rádio Base) que suportam os equipamentos de transmissão de sinal (antenas), bem como finalizar os processos de regularização das construções pré-existentes pleiteados junto às prefeituras.
Antes de mais nada, convém mencionar que o coletivo das antenas de telefonia perfaz uma rede de transmissão de sinal, certo que a qualidade do serviço público e de caráter essencial prestado pelas operadoras, na qualidade de concessionárias do serviço estatal, depende da manutenção e instalação das Estações de Rádio Base, sempre visando ampliar e melhorar a qualidade da cobertura do sinal.
Nesse ínterim, salutar esclarecer que a remoção, ou a inviabilidade de instalação dos equipamentos em dado local, gera um buraco nessa rede de comunicação, ou seja, há um comprometimento na qualidade do serviço prestado para toda uma região, atingido a milhares de usuários.
Por outro lado, não há como se furtar de patentear a responsabilidade da municipalidade em legislar e fiscalizar questões construtivas de seu interesse, que por sua vez derivam de sua competência constitucional para regulamentar o uso e ocupação do solo, prevista no inciso VIII do art. 30, CF[1].
Ocorre que diversos municípios têm ocasionado uma verdadeira batalha para conceder tanto a autorização construtiva prévia, quanto a posterior regularização das Estações de Rádio Base. Tal atuação, a nosso ver, foge por completo do escopo da atividade constitucional outorgada aos municípios, pois a sua infindável burocracia, ao lado do emaranhado confuso de normas que muitas vezes extrapolam a competência local, invadindo as das demais esferas, principalmente a competência privativa da União, que deriva dos artigos 21, XI[2], e 22, IV[3], da carta magna, acaba por gerar situações em que as companhias de telefonia se vêm obrigadas a simplesmente descumprir as determinações, sob pena de inviabilizar a prestação do serviço a elas delegada, tal qual se comprometeram mediante contrato público junto à Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), inclusive ficando à mercê de autuações pela eventual quebra do contrato ante a má prestação do serviço.
A autorização para construção e a certificação de conclusão da obra são atos administrativos, portanto, atos vinculados, conforme observa Di Pietro[4]:
Para o desempenho de suas funções no organismo Estatal, a Administração Pública dispõe de poderes que lhe asseguram posição de supremacia sobre o particular e sem os quais ela não conseguiria atingir seus fins. Mas esses poderes, no Estado de Direito, entre outros postulados básicos se encontra o princípio da legalidade, são limitados pela lei, de forma a impedir os abusos e as arbitrariedades a que as autoridades poderiam ser levadas.
Isso significa que os poderes que exerce o administrador público são regrados pelo sistema jurídico vigente. Não pode a autoridade ultrapassar os limites que a lei traça à sua atividade, sob pena de ilegalidade.
No entanto, esse regramento pode atingir os vários aspectos de uma atividade determinada; neste caso se diz que o poder da administração é vinculado, porque a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma. Por isso mesmo se diz que, diante de um poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edição de determinado ato, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial. (p. 254)
No presente artigo, abordaremos pontualmente o caso da cidade de São Paulo, aonde comumente são instaladas as Estações de Rádio Base, sob a égide da autorização tácita prevista na sua própria legislação, mas antes de sua regularização definitiva (Certificação de Conclusão de Obra), a municipalidade tem lavrado vultuosas autuações, ainda que os processos/requerimentos administrativos de regularização não tenham sido, oportunamente, por ela mesmo finalizados.
Nessa toada, para compreendermos o processo de licenciamento de Estações Rádio Base perante o Município de São Paulo, disciplinado pela Lei Municipal nº 13.756/2004, regulamentada pelo Decreto 44.944/2004 e posteriores alterações, afora as legislações retro, necessário, a princípio, discorremos sobre o instituto do direito adquirido, atos administrativos e a Lei nº 11.228/92 (antigo Código de Obras do Município de São Paulo), vez que, para as Estações Rádio Base instaladas no município antes da vigência da Lei Municipal nº 13.756/2004, esta lei que disciplinava a matéria.
O ato administrativo que concede o Alvará de Licença Construtiva é um ato vinculado declaratório de um direito pré-constituído, ou seja, preenchidos os requisitos legais pelo administrado, o administrator público deve declarar o ato sem aplicar qualquer juízo de valor ou conveniência. O Alvará de Licença Construtiva, por tratar-se de ato vinculado, concede o direito adquirido ao administrado, garantindo, após o início da obra, à sua continuidade pela legislação em que foi aprovado.
O art. 15, § 4º, da Lei Municipal nº 13.756/2004, preleciona que “aplicam-se aos pedidos de alvará de execução para instalação de ERB os procedimentos administrativos previstos no Capítulo IV do Código de Obras e Edificações, Lei nº 11.228, de 25 de junho de 1992”.
A Lei Municipal nº 11.228/92 (Antigo Código de Obras do Município de São Paulo), em seu item 4.2, dispõe que o prazo para despacho não poderá exercer 90 (noventa dias), inclusive nos pedidos relativos a reconsideração de despacho ou recurso. O item 4.4.3 da mesma lei, por sua vez, dispõe que escoado o prazo para decisão de processo de Alvará de Aprovação, poderá ser requerido o Alvará de Execução, bem como que decorridos 30 (trinta) dias deste requerimento poderá ser iniciada a obra.
Por sua vez, a Lei nº 16.642/17 (Novo Código de Obras do Município de São Paulo) manteve esta previsão, com pequenas alterações, agora em seu art. 71, § 1º, que assim dispõe: “§1º Decorridos 30 (trinta) dias contados da data do protocolo do pedido do Alvará de Execução, caso o processo não tenha sido indeferido, a obra pode ser iniciada, sendo de inteira responsabilidade do proprietário ou possuidor e profissionais envolvidos a adequação da obra às posturas municipais”.
Neste ponto, por se tratar da concessão de alvará de ato administrativo vinculado, tendo o administrado cumprido todas as exigências legais, protocolos e ultrapassado o prazo para despacho, temos que não pode o administrado sofrer sanções administrativas ou pecuniárias motivadas em lei posterior ao início da obra e pela falta de Alvará de Execução, vez que a própria legislação autoriza o início da obra sem estes alvará, erigindo a figura da aprovação tácita precária do Alvará de Execução, até a expedição do Certificado de Conclusão , Alvará final que atesta a regularidade da obra.
Todavia, não é o que acontece no Município de São Paulo, que, sem nenhum respeito aos princípios do direito adquirido e segurança jurídica, promove autuações motivadas pela ausência de Certificação de Conclusão da Obra (art. 18, II, da Lei nº 13.756/04), majoritariamente, por vezes esteadas na falta de Alvará de Execução (art. 14, da Lei nº 13.756/04) da ERB, o qual é a próprio causador e beneficiário, atuação que caminha nos limites da má-fé e do venire contra factum proprium[5], visto que espera-se que a Municipalidade cumpra a legislação por ela criada, em esteio aos princípios da legalidade, moralidade administrativa e eficiência, todos insculpidos no art. 37, da CF.
Portanto, consoante demonstrado, tanto o Código de Obras de 1992, quanto no Código de Obras vigente, uma vez requerido o Alvará de Execução, caso não tenha sido indeferido o processo, a obra poderá ser iniciada, não podendo sofrer sanções pela falta do Certificado de Conclusão de Obras enquanto estiver buscando a regularização, nos termos do art. 18, I, da Lei nº 13.756/04, que preleciona que atendida a intimação para complementar os documentos exigidos, usualmente, por conta da nababesca burocracia imposta pelo Município para a instalação de ERB, não poderá ser lavrada multa administrativa em razão de falta de Alvará de Execução e Certidão de Conclusão de Obras, o que infelizmente não condiz com o atual cenário vivenciado pelas operadoras de telefonia móvel, que têm se deparado com vultuosas autuações, restando apenas socorre-se do Poder Judiciário para buscar alterar o quadro apresentado.
[1] Art. 30, CF. Compete aos Municípios: VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
[2] Art. 21. Compete à União: XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)
[3] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
[5] Segundo Anderson Scheiber[1], há 4 (quatro) elementos (ou pressupostos) comumente considerados para a existência do “venire contra factum proprium a) Comportamento inicial (“factum proprium”); b) Confiança de outrem na conservação do comportamento inicial; c) Comportamento posterior e contraditório; e d) Dano ou, no mínimo, potencial de dano pela contradição. [1] SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 271.