O USO DO CONSENSUALISMO NA IMPLEMENTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS LINEARES ENERGÉTICOS: UM DEVER LEGAL E REGULATÓRIO
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Autor: Murillo Meirelles
Revisão: Marcio Nunes Pellegrino e Kelly Andreoli
De acordo com Celina Franco Bragança R. Cláudio, empreendimento linear diz respeito a “segmentos de rede ou malhas dos projetos de infraestruturas necessários a atividades humanas”.
A autora afirma ainda que uma estrutura linear reflete uma estrutura de ocupação que se estende por grandes áreas de extensão, ligando alguns polos ou estações. Ou seja, é uma forma conexão entre pontos, previamente definidos, com intuito de se gerar um trajeto tal como a ligação entre municípios por rodovias e ferrovias ou mesmo o transporte de energia elétrica gerada e encaminhada por vários quilômetros até o consumidor.
Colocando em contexto a infraestrutura energética, sabe-se que estes empreendimentos estão presentes por todo o mundo e por meio de grandes extensões alcançam os mais remotos locais, embora ocupem uma faixa territorial relativamente estreita por onde passam (DODDE, 2012), onde o destino final da energia elétrica é o imóvel do consumidor, mas, para tanto, há todo um itinerário que necessita ser percorrido, afinal a energia necessita ser gerada e transportada.
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As linhas de transmissão estão, portanto, incumbidas de transportar altas voltagens de energias elétricas da usina geradora até uma subestação rebaixadora, que segundo Braga (2018), apresenta como função rebaixar os níveis de tensão para dezenas de milhares de Volts nos pontos de conexão com consumidores ou distribuidoras, onde, através da redução da voltagem, é possível o encaminhamento às linhas distribuição.
Ao final desta cadeia, a energia elétrica chega ao gerador dos postes das linhas de distribuição que reduz, ainda mais, a energia, tornando-a apta ao uso pelos consumidores (BRAGA, 2018).
Atualmente, sob coordenação do Operador Nacional de Sistemas Elétricos – ONS, o Brasil possui mais de 140 mil quilômetros de linhas de transmissão por todo território nacional, enfrentando diversos desafios ambientais, socioambientais e fundiários para implementar suas respectivas obras (ONS, 2020).
A interligação dos sistemas elétricos na Rede Básica oferece segurança de suprimento de energia elétrica, concedendo alternativas de fluxo para transporte dos blocos de energia elétrica em caso de perturbações, em alguma linha, que gerem interrupção no fornecimento, mantendo inalterada a continuidade da prestação do serviço público (BRAGA, 2018).
Como é sabido, a intervenção do Estado na propriedade privada por meio de servidões administrativas, a depender da gravidade da afetação, deve ser indenizada, nos termos do art. 5º, XXIV, da Constituição Federal.
Assim, um dos primeiros passos à implementação da obra é a Declaração de Utilidade Pública (DUP) das áreas afetadas. Tal ato administrativo é o meio pelo qual o Poder Público declara que determinado espaço territorial está vinculado ao serviço público.
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Prevista, genericamente no Decreto Lei nº 3.365/41, o artigo sexto dispõe que a declaração será emanada pelo Chefe do Poder Executivo na órbita de suas atribuições, noutras palavras o Presidente da República, Governador do Estado e Prefeito (BRASIL, 1941). Contudo, em relação aos serviços de energia elétrica – deixados constitucionalmente sob responsabilidade federal – o legislador, por meio da Lei nº 9.074/95, alocou a responsabilidade da declaração de utilidade pública à Agência Nacional de Energia Elétrica.
Recentemente, em primeiro de março do corrente ano, a agência reguladora – ANEEL – publicou a Resolução Normativa nº 919 – revogando a Resolução nº 740 – para ajustar procedimento para requerimento de Declaração de Utilidade Pública para fins de implantação das obras nas áreas necessárias sob pedido das concessionárias de serviço públicos de energia elétrica.
Fixou-se, assim, uma série de documentos técnicos para deflagar o procedimento de requerimento da DUP, tal como tensão nominal de operação, instalações de início e término da linha e os responsáveis por elas, a quantidade de circuitos da linha e os municípios, relacionados por estado, a serem afetados pelo empreendimento, a largura da faixa de servidão adotada e a norma utilizada entre outros previsto no art. 5º da Resolução Normativa nº 919/2021.
Com a declaração de utilidade pública devidamente expedida, a concessionária responsável pela fase executória deverá cumprir deveres impostos pelos incisos do art. 10 da Resolução Normativa nº 919/2021 da Agência Nacional de Energia Elétrica.
Assim, pode-se afirmar que estes deveres estão vinculados a ações a serem tomadas em benefício dos proprietários ou possuidores afetados pelo empreendimento como, por exemplo, a obrigação de comunicar aos proprietários ou possuidores a devida destinação das áreas das instalações que serão implementadas.
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Além disso, é dever das concessionárias promover ampla divulgação e esclarecimentos sobre as obras aos proprietários atingidos, devendo, inclusive, informar os critérios adotados para fixação do preço da indenização ofertada, devendo para tanto avaliar as propriedades envoltas de acordo com as normas fixadas pela ABNT, deixando o laudo de avaliação disponível à agência reguladora (ANEEL, 2021).
Outro ponto importante é o dever de se realizar máximos esforços na negociação com os proprietários ou possuidores, de modo a buscar uma solução amigável quanto ao valor a ser indenizado, evitando-se, assim, o ajuizamento de ações judiciais (ANEEL, 2021).
Registra-se que a concessionária deverá manter preservado, pelo prazo de cinco anos, evidências das negociações realizadas, bem como os eventuais acordos firmados com os proprietários e possuidores conforme art. 11 do mesmo ato normativo.
Em consonância com o ato normativo da agência reguladora, a Lei nº 13.867/2019 trouxe alterações no Dec. Lei nº 3.365/41, acrescentando o artigo 10-A para determinar que a parte expropriante deverá notificar os proprietários e possuidores apresentando a oferta da indenização.
A forma da notificação é livre, ou seja, o referido dispositivo legal não informa formatos de como a notificação deve ser elaborada ou remetida, contudo, há alguns cuidados quanto aos documentos a serem enviados.
O parágrafo primeiro do artigo 10-A do Decreto-Lei 3.365/41 impõe que a notificação deverá conter cópia da declaração de utilidade pública, planta ou descrição dos bens e suas confrontações, valor da oferta e a concessão de um prazo de quinze dia para que o destinatário informe se aceita ou rejeita a oferta realizada. Destaca-se, ainda, que o silêncio importa na rejeição da proposta.
Assim, remetida a notificação aos proprietários ou possuidores com os documentos essenciais, cabe a estes decidir quanto a viabilidade de realizar o acordo nos moldes delineados. Em caso positivo, o texto legal do artigo 10-A, §2º do Decreto Lei 3.365/41 dispõe que o acordo servirá de título hábil para fins de registro público. Em caso de rejeição da proposta, o parágrafo seguinte do diploma legal (§3º), faculta que a concessionária a ajuizar ação judicial a fim de se buscar a imissão na posse para deflagrar os trabalhos e, garantido o devido processo legal, discutir o valor a ser pago a título de indenização pela área afetada pela servidão administrativa.
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O art. 10-B do Decreto-Lei 3.36/41 dispõe que a parte expropriante poderá ainda sugerir a realização da mediação ou arbitragem, ambos métodos consensuais de resolução de conflitos, de modo que o proprietário ou possuidor poderia optar entre estes mecanismos.
Diante do exposto, imperioso concluir que, para implementar os empreendimentos lineares energéticos, é mandatório que a concessionária responsável pela linha a ser construída busque se valer do consensualismo, ou, noutras palavras, é imprescindível que se procure os proprietários e possuidores das áreas que estarão vinculadas ao serviço público para fornecer detalhes da obra, bem como para negociar um valor justo para fins de indenização.
Por fim, a notificação, recentemente inserida no Decreto Lei nº 3.365/1941, oportuniza a formalização da proposta, de modo a garantir ao proprietário/possuidor acesso aos documentos essenciais sobre a obra e o devido registro de que o dever regulatório, imposto na Resolução Normativa 919/2021, foi devidamente cumprido.
BIBLIOGRAFIA
ABAGGE, Yasmine de Resende. Breves comentários sobre o instituto da Desapropriação, 2007. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/20007-20008-1-PB.pdf, acesso em 16 dez. 2020.
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – ANEEL. Resolução Normativa nº 740, de 11 de outubro de 2016. Disponível em: www.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil. Acesso em 12 de dezembro de 2020.
BRAGA, Rodrigo Bernardes. Manual de direito da energia elétrica – 1 reimp- Belo Horizonte: Editora D´Placido, 2018.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.074/95 de 07 de julho de 1995. Brasília, 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9074cons.htm. Acesso em: 03 jan.2021.
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 dez 2020. Acesso em 02 de janeiro 2020.
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BRASIL. Presidência de República. Decreto nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3365.htm. Acesso em: 12 de out. 2020.
BRASIL. Presidência de República. Lei nº 13.867, de 26 de agosto de 2019. Brasília, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13867.htm. Acesso em 03 de jan. 2020.
CLAUDIO, Celina Franco Bragança R. Projetos de estruturas lineares: o transporte e suas trilhas e o caminho da energia – os limites da sustentabilidade. Tese de Doutorado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil, 2008.
DODDE, Pam. Impactos de Empreendimentos Lineares em Terras Indígenas na Amazônia Legal: o caso da BR-230/PA e das Terras Indígenas Mãe Maria, Nova Jacundá e Sororó. Dissertação de Mestrado. Programa de PósGraduação em Planejamento Energético. COPPE- Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012.
OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO – ONS, 2015. Sistema Interligado Nacional. Disponível em: http://www.ons.org.br/paginas/sobre-o-sin/o-sistema-em-numeros. Acesso em 17 nov. 2020.