O Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 627189, interposto pela Eletropaulo Metropolitana – Eletricidade de São Paulo S.A., e fixou a tese de que “enquanto não houver certeza científica acerca dos efeitos nocivos da exposição ocupacional e da população em geral a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, gerados por sistemas de energia elétrica, devem ser adotados os parâmetros propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme estabelece a Lei 11.934/2009”. A matéria, com repercussão geral reconhecida, foi analisada na sessão desta quarta-feira (8) pelo Plenário da Corte. A decisão majoritária seguiu o voto do relator do caso, ministro Dias Toffoli.

O RE questionava acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que determinou a redução do campo eletromagnético em linhas de transmissão de energia elétrica localizadas nas proximidades de dois bairros paulistanos, em razão de eventuais efeitos nocivos à saúde da população. A Eletropaulo argumentava que a decisão viola os princípios da legalidade e da precaução ao exigir que a empresa adote padrão definido na lei suíça, em parâmetro “infinitamente” menor que o definido por organismos internacionais e acolhido pela legislação brasileira, nos termos da Lei 11.934/2009.

Em 2013, o Supremo realizou audiência pública que reuniu 21 especialistas, durante três dias de debates, para falar sobre os efeitos dos campos eletromagnéticos relacionados à saúde pública e ao meio ambiente.


Relator

O relator da ADI, ministro Dias Toffoli, votou pelo provimento do RE a fim de julgar improcedentes as ações civis públicas que deram origem ao processo. Ele explicou que não há dúvida de que os níveis colhidos pela prova pericial produzida nos autos se encontram dentro dos parâmetros exigidos no ordenamento jurídico brasileiro, nos termos da Lei 11.934/2009 e de resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O ministro Dias Toffoli observou que a discussão abrange o princípio constitucional da precaução, o qual, segundo ele, envolve a necessidade de os países controlarem as atividades danosas ao meio ambiente ainda que seus efeitos não sejam completamente conhecidos. No entanto, conforme explicou, a aplicação do princípio não pode gerar como resultados temores infundados. “Havendo relevantes elementos de convicção sobre os riscos, o Estado há de agir de forma proporcional”. Ele mencionou estudos desenvolvidos pela OMS segundo os quais não há evidências científicas convincentes de que a exposição humana a valores de campos eletromagnéticos, acima dos limites estabelecidos, cause efeitos adversos à saúde.

Para o ministro, não há razão para se manter a decisão questionada, uma vez que o Estado brasileiro adotou as cautelas necessárias, com base no princípio constitucional da precaução, além de pautar a legislação nacional de acordo com os parâmetros de segurança reconhecidos internacionalmente.

Porém, ele destacou ser evidente que, no futuro, caso surjam efetivas e reais razões científicas ou políticas para a revisão do que se deliberou no âmbito normativo, “o espaço para esses debates e a tomada de novas decisões há de ser respeitado”. “A caracterização do que é seguro ou não depende do avanço do conhecimento”, completou em seu voto (leia a íntegra).


Provimento

Ao acompanhar o relator, o ministro Luís Roberto Barroso salientou que o voto do ministro Dias Toffoli “administra de maneira adequada e proporcional os riscos aqui envolvidos”. Já o ministro Teori Zavascki, que também acompanhou o relator, frisou que o STF está declarando a constitucionalidade da legislação sobre a matéria, mas nada impede que se produza uma inconstitucionalidade superveniente, ou seja, se houver mudanças no futuro, a decisão pode vir a ser modificada, explicou. Mas, para o ministro, dado o conhecimento científico atual, a legislação tem aplicado corretamente o princípio da precaução.

Para o ministro Luiz Fux, que também votou pelo provimento do RE, a solução adotada pelo relator, depois da realização da audiência pública, em que foram ouvidos técnicos e especialistas, passa pelo teste do princípio da razoabilidade. A tese apresentada pelo ministro é no sentido de não caber ao Poder Judiciário impor, sob o fundamento do princípio da precaução, o reaparelhamento de linhas de transmissão a partir do parâmetro normativo que não conste de obrigação legal tecnicamente consubstanciada.

A ministra Cármen Lúcia ressaltou em seu voto que o princípio da precaução ocorre quando há dúvida, mas dúvida razoável. Ela disse que, após os esclarecimentos obtidos a partir da audiência pública e de memoriais recebidos em seu gabinete, decidiu acompanhar o relator, levando em conta, também, o fato de que, após a prolação do acórdão do TJ paulista questionado no RE, sobreveio a legislação que considerou, exatamente, o princípio da precaução, fixando parâmetros.

O ministro Gilmar Mendes votou também nesse sentido. Ele reforçou o argumento trazido pelo ministro Teori Zavascki no sentido de que, se no futuro se chegar a um laudo que indique que os dados científicos que foram incorporados pela legislação estão ultrapassados, a norma pode passar a ser considerada inconstitucional, a chamada inconstitucionalidade superveniente.


Divergência

O ministro Edson Fachin abriu a divergência ao votar desprovimento do recurso. Para ele, o acórdão recorrido partiu de premissas e dados razoáveis que concretizam os direitos fundamentais de proteção ao meio ambiente e à saúde, sem afrontar o princípio da legalidade constitucional.

O ministro acrescentou que a discussão tem origem no embate entre direito fundamental à distribuição de energia elétrica ao mercado consumidor, de um lado, e o direito à saúde daqueles que residem em locais próximos às linhas que efetuam essas transmissões, de outro lado. Para Fachin, o acórdão questionado partiu da dúvida da comunidade científica quanto aos efeitos danosos à saúde, com base nos princípios da precaução, da proteção ao meio ambiente e à saúde. “Entendo que estes devam prevalecer”, concluiu.

A ministra Rosa Weber acompanhou a divergência. Ela apontou como argumento a falta de evidência científica e a incerteza acerca dos danos apontados, que são temidos. Se a dúvida, ou ausência de certeza científica, é o que o embasa o princípio da precaução, que foi acionado para efeito de deferimento dos pleitos, a ministra disse que não podia concluir no sentido de provimento do recurso.

Segundo o ministro Marco Aurélio, o embate nesse processo é desequilibrado, por envolver de um lado o poder econômico e de outro a população. Ao votar pela manutenção da decisão do TJ-SP, o ministro salientou seu entendimento de que o tema é técnico, e citou trechos do acórdão proferido que falam da controvérsia sobre os efeitos da radiação e a possiblidade de ocorrência de danos para a população, incluindo várias doenças graves.

O princípio da precaução desempenha papel de fundamental importância, disse em seu voto o ministro Celso de Mello, decano da Corte, que também acompanhou a divergência. Citando trechos do acórdão atacado e a possibilidade de ligação entre os campos eletromagnéticos e certas patologias graves, especialmente o câncer, ele salientou que a doutrina e a jurisprudência dizem que, sempre que houver probabilidade de que o dano se concretize a partir de qualquer atividade, impõe-se ao Estado a adoção de medidas de índole cautelar destinadas a preservar a incolumidade do meio ambiente e proteger a integridade da vida e saúde humanas.

O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, estava impedido de julgar o recurso por ter atuado no processo quando era desembargador do TJ-SP.

 

Fonte: STF (http://goo.gl/ecCnjC)