FAIXA DE DOMÍNIO DAS RODOVIAS: um debate entre setores de infraestrutura

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Autor: Murillo Meirelles

Revisão: Marcio Nunes Pellegrino

 

Um dos relevantes temas debatidos por diversos setores da infraestrutura brasileira é a cobrança pelo uso da faixa de domínio pelas concessionárias de rodovias.

A despeito da discussão ser ainda maior, envolvendo a cobrança pelo uso da faixa de domínio feita ora por autarquias e concessionárias de rodovias, ora por concessionárias de ferrovias, iremos apreciar, com maior enfoque, o debate travado com agentes do setor energético.

Antes de imergir na temática, é imprescindível lembrar que, de acordo com o Glossário de Termos Técnicos Rodoviárias, a faixa de domínio pode ser conceituada como a “base física sobre a qual assenta uma rodovia, constituída pelas pistas de rolamento, canteiros, obras-de-arte, acostamentos, sinalização e faixa lateral de segurança, até o alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou da faixa do recuo”[1].

Cuida-se de bem público, de uso comum do povo, nos termos do art. 99 do Código Civil e, neste ponto, se diferem das faixas non aedificandi[2], uma vez que estas podem ser privadas ou públicas.

As concessionárias de rodovias entendem que é lícita a cobrança pela faixa dominial, fundada na interpretação de dispositivos legais como o art. 11 da Lei nº 8.987/95 (Lei das Concessões de Serviço Público)[3], o art. 4º, XIV, do Decreto do Estado de São Paulo nº 26.673/87[4] e do próprio contrato de concessão, que concedem esse direito como uma forma de receita extraordinária.

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Do outro lado, partindo da visão das concessionárias de transporte de energia elétrica, entende-se que a cobrança é indevida, pois a legislação permite a constituição gratuita de servidão administrativa, com base no art. 151, c, do Decreto Federal nº 24.643/34 (Código de Águas)[5], Art. 1º e 2º do Decreto Federal 84.398/80 (alterado pelo Dec. Federal 86.859/82)[6] e, também, o próprio contrato de concessão.

Em análise das decisões judiciais sobre a temática, sem sequer mencionar os diversos tribunais estaduais, a incerteza sobre essa receita/despesa ainda prevalece até mesmo nos tribunais superiores, destacando o recente Incidente de Assunção de Competência instaurado, no Resp nº 1.817.302 – SP (Saneamento), a fim de se evitar decisões diversas entre órgãos fracionários do Superior Tribunal de Justiça.

Resta isento de dúvidas que, este grave desajuste regulatório, tem o condão de trazer efeitos deletérios a todos envolvidos no conflito, tanto às concessionárias que pretendem auferir a receita quanto àquelas que não contabilizaram essa despesa nos orçamentos dos projetos. Fatidicamente, a não concordância acaba gerando a judicialização da questão controvertida e atrasos no cumprimento dos projetos que necessitam utilizar a faixa de domínio.

Referidos atrasos no cronograma de obras podem gerar estagnação econômica e social de empresas que necessitam de maior fornecimento de energia elétrica para ampliar suas atividades econômicas e criar oportunidades de emprego.

A título exemplificativo, cita-se que a malha rodoviária do Estado de São Paulo possui mais de 22 mil km de extensão, ressoando certo afirmar que outros empreendimentos, tais quais linhas de transportes de energia elétrica, tubulações de saneamentos, gasodutos, também necessitarão usar o mesmo solo seja de modo longitudinal ou transversal para atravessar a faixa dominial a fim de executar determinado serviço público.

O impasse de ser ou não uma despesa gera extrema insegurança nas atividades econômicas, afastando investidores e fazendo com que empresas percam capital de investimentos em novos empreendimentos.

Há, também, o risco de ocorrer um efeito tarifário colateral, uma vez que, não estando previamente orçado nos planejamentos iniciais, a cobrança poderá ser eventualmente repassada aos consumidores mediante tarifa.

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Oportuno destacar o recente julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6482 que questionava a constitucionalidade da dispensa de pagamento das concessionárias de serviços de telefonia e TV a cabo pelo direito passagem e uso de espaços públicos/faixa de domínio para exercício de suas funções constitucionais. Por dez votos a um, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalidade de dispensa legal, prevista no artigo 12 da Lei 13.116/2015[7], garantindo o uso gratuito das faixas de domínio em favor das concessionárias de telefonia e TV a cabo.

Por fim, independentemente de quem irá se sagrar vencedor do conflito, já levado ao Judiciário, infere-se que o descompasso regulatório e a insegurança jurídica da presente questão necessita de muita atenção e diálogo entre os Reguladores e os agentes setoriais para tornar concreto o lema nacional da República Federativa do Brasil: ordem e progresso.

 

REFERÊNCIAS

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto nº 26.673, de 28 de janeiro de 1987. Disponível em:< https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1987/decreto-26673-28.01.1987.html>. Acesso em: 17 de março de 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6482. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Data do Julgamento: 18/02/2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.817.302/SP. Relator: Ministro Regina Helena Costa. Data de julgamento 29/09/2020.

DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO. Malha Rodoviária. Disponível em <http://www.der.sp.gov.br/WebSite/MalhaRodoviaria/Extensao.aspx>. Acesso em: 17 de março de 2021.

DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. Glossário de Termos Técnicos Rodoviários. Disponível em < http://www1.dnit.gov.br/arquivos_internet/ipr/ipr_new/manuais/DNER-700-GTTR.pdf>. Acesso em: 17 de março de 2021.

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PLANALTO. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 17 de março de 2021.

PLANALTO. Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6766compilado.htm>. Acesso em: 17 de março de 2021.

PLANALTO. Lei nº 8.987/95, de 13 de fevereiro de 1955. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987compilada.htm>. Acesso em: 17 de março de 2021.

PLANALTO. Lei nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D24643compilado.htm>. Acesso em: 17 de março de 2021.

PLANALTO. Decreto Federal nº 84.398, de 16 de janeiro de 1980. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D84398.htm>. Acesso em: 17 de março de 2021.

 

[1]Glossário de Termos Técnicos Rodoviários. Disponível em < http://www1.dnit.gov.br/arquivos_internet/ipr/ipr_new/manuais/DNER-700-GTTR.pdf>. Acesso em 17 de março de 2021.

[2] A Lei nº 6.766/1979, em seu art. 4º, III, dispõe que “ao longo das faixas de domínio público das rodovias, a reserva de faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado poderá ser reduzida por lei municipal ou distrital que aprovar o instrumento do planejamento territorial, até o limite mínimo de 5 (cinco) metros de cada lado”.

[3]Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei.

[4] Artigo 4.º- Constituem receita do Departamento de Estradas de Rodagem: (…) XIV – o produto de taxas de serviços, de ocupação da faixa de domínio e outras, decorrentes da exploração comercial das rodovias;

[5] Art. 151. Para executar os trabalhos definidos no contrato, bem como, para explorar a concessão, o concessionário terá, além das regalias e favores constantes das leis fiscais e especiais, os seguintes direitos: (…) estabelecer as servidões permanente ou temporárias exigidas para as obras hidráulica e para o transporte e distribuição da energia elétrica;

[6] Art. 1º – A ocupação de faixas de domínio de rodovias, ferrovias e de terrenos de domínio público, e a travessia de hidrovias, rodovias, ferrovias, oleodutos e linhas de transmissão de energia elétrica de outros concessionários, por linhas de transmissão, subtransmissão e distribuição de energia elétrica de concessionários de serviços públicos de energia elétrica, serão autorizadas pelo órgão público federal, estadual ou municipal ou entidade competente, sob cuja jurisdição estiver a área a ser ocupada ou atravessada. (Redação dada pelo Decreto nº 86.859, de 1982)    Art. 2º – Atendidas as exigências legais e regulamentares referentes aos respectivos projetos, as autorizações serão por prazo indeterminado e sem ônus para os concessionários de serviços públicos de energia elétrica.

[7] Art. 12. Não será exigida contraprestação em razão do direito de passagem em vias públicas, em faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do povo, ainda que esses bens ou instalações sejam explorados por meio de concessão ou outra forma de delegação, excetuadas aquelas cujos contratos decorram de licitações anteriores à data de promulgação desta Lei.

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